1006 A duração dos sofrimentos do Espírito pode ser eterna?
– Sem dúvida, se ele fosse eternamente mau, isto é, se nunca se melhorasse
nem se arrependesse sofreria eternamente. Mas Deus não criou
seres para serem voltados perpetuamente ao mal; apenas os criou simples
e ignorantes, e todos devem progredir num tempo mais ou menos longo, de
acordo com a vontade de cada um. A vontade pode ser mais ou menos
tardia, assim como existem crianças mais ou menos precoces, mas se
manifestará cedo ou tarde pela irresistível necessidade que o Espírito sente
de sair de sua inferioridade e ser feliz. A lei que rege a duração dos sofrimentos
é, portanto, eminentemente sábia e benevolente, uma vez que subordina
a sua duração aos esforços do Espírito para se melhorar. Nunca interfere no
seu livre-arbítrio: se faz mau uso, dele sofre as conseqüências.
1007 Existem Espíritos que nunca se arrependem?
– Existem aqueles em que o arrependimento é muito tardio; mas afirmar
que nunca se melhorarão seria negar a lei do progresso, como afirmar
que a criança não pode se tornar adulta.
1008 A duração dos sofrimentos depende sempre da vontade do
Espírito, ou existem aqueles que são impostos por um tempo determinado?
– Sim, os sofrimentos podem ser impostos por um tempo; mas Deus,
que deseja apenas o bem de suas criaturas, sempre acolhe o arrependimento,
e o desejo de se melhorar nunca é inútil.
1009 Desse modo, os sofrimentos impostos nunca serão por toda
a eternidade?
– Interrogai o bom senso, a razão, e perguntai-vos se uma condenação
perpétua por causa de alguns momentos de erro não seria a negação
da bondade de Deus. O que é, de fato, a duração da vida, mesmo de cem
anos, em relação à eternidade? Eternidade! Compreendei bem essa palavra?
Sofrimentos, torturas sem fim, sem esperança, por algumas faltas!
Vossa razão não rejeita uma idéia dessa? É compreensível que os antigos
tenham visto no Senhor do universo um Deus terrível, ciumento e vingativo.
Em sua ignorância, atribuíam à Divindade as paixões dos homens.
Porém, esse não é o Deus que o Cristo nos revelou, que coloca como
virtudes primordiais o amor, a caridade, a misericórdia e o esquecimento
das ofensas. Poderia Ele próprio não ter as qualidades das quais faz um
dever? Não há contradição em atribuir ao Criador a bondade infinita e a
vingança também infinita? Ensinai, antes de mais nada, que Ele é justo em
Sua perfeição e que o homem não compreende Sua justiça. Mas a justiça
não exclui a bondade, e Ele não seria bom se condenasse aos mais horríveis
e perpétuos sofrimentos a maior parte de suas criaturas. Teria o direito
de fazer da justiça uma obrigação para seus filhos, se não lhes tivesse
dado os meios de compreendê-la? Aliás, a sublimidade da justiça, unida à
bondade, está em fazer com que a duração dos sofrimentos dependa dos
esforços que o transgressor faça para se melhorar. Eis a verdade destas
palavras: “A cada um segundo suas obras”.
RESSURREIÇÃO DA CARNE
1010 O dogma da ressurreição da carne é a consagração da
reencarnação ensinada pelos Espíritos?
– Como quereis que fosse de outro modo? Como acontece com
outras palavras, estas apenas parecem despropositadas aos olhos de
certas pessoas quando são tomadas ao pé da letra. É por isso que levam
à incredulidade. Mas dai-lhes uma interpretação lógica, e aqueles que
chamais livres-pensadores a admitirão sem dificuldade, precisamente
porque raciocinam. Não vos enganeis, os livres-pensadores anseiam e
desejam crer. Eles têm, como os outros, e até mais, sede de futuro, mas
não podem admitir o que a ciência desmente. A doutrina da pluralidade
das existências está de acordo com a justiça de Deus, apenas ela pode
explicar o inexplicável; como querer que o seu princípio não esteja na
própria religião?
1011 Assim a Igreja, pelo dogma da ressurreição da carne, ensina
a doutrina da reencarnação?
– É evidente. Essa doutrina é, aliás, a conseqüência de muitas coisas
que passaram despercebidas e dentro em pouco serão, nesse sentido,
reconhecidas. Em breve, se reconhecerá aquilo que o Espiritismo ressalta
a cada passo, até mesmo do texto das Escrituras sagradas. Os Espíritos
não vêm, portanto, subverter a religião, como alguns pretendem; vêm, ao
contrário, confirmá-la, sancioná-la por provas irrecusáveis; mas, como
chegou o tempo de não mais empregar a linguagem figurada, exprimemse
sem alegoria e dão às coisas um sentido claro e preciso, que não
possa estar sujeito a nenhuma interpretação falsa. Eis por que, daqui a
algum tempo, tereis mais pessoas sinceramente religiosas e crentes do
que tendes hoje.
PARAÍSO, INFERNO E PURGATÓRIO
1012 Haverá lugares determinados no universo destinados às
penalidades e aos prazeres dos Espíritos, conforme seus méritos?
– Já respondemos a essa questão. As penalidades e os prazeres são
inerentes ao grau de perfeição dos Espíritos; cada um tira de si mesmo o
princípio de sua própria felicidade ou infelicidade; e como estão por toda
parte, nenhum lugar localizado nem fechado está destinado a um ou a outro.
Quanto aos Espíritos encarnados, eles são mais ou menos felizes ou
infelizes conforme o mundo que habitem seja mais ou menos avançado.
1012 a Em vista disso, o inferno e o paraíso não existiriam como
o homem os representa?
– São apenas figuras: existem Espíritos felizes e infelizes por toda parte.
Entretanto, como também dissemos, os Espíritos da mesma ordem se
reúnem por simpatia; mas podem se reunir onde quiserem quando são
perfeitos.
A localização exata dos lugares de penalidades e recompensas existe
apenas na imaginação do homem e provém da tendência de materializar e
circunscrever as coisas das quais eles não podem compreender a essênciainfinita.
1013 O que se deve entender por purgatório?
– Dores físicas e morais: é o tempo de expiação. É quase sempre na
Terra que fazeis vosso purgatório e onde sois obrigados a expiar vossas
faltas.
1014 Como se explica que Espíritos, que pela sua linguagem
revelam superioridade, tenham respondido a pessoas muito sérias a
respeito do inferno e do purgatório, de acordo com a idéia corrente
que se faz desses lugares?
– Eles falam uma linguagem que possa ser compreendida pelas pessoas
que os interrogam, e quando essas pessoas se mostram convictas
de certas idéias evitam chocá-las bruscamente para não ferir suas convicções.
Se um Espírito quisesse dizer, sem precauções oratórias, a um
muçulmano que Maomé não foi profeta, seria muito mal compreendido.
1014 a Concebe-se que assim possa ser com a maioria dos Espíritos
que desejam nos instruir; mas como se explica que Espíritos
interrogados sobre sua situação tenham respondido que sofriam torturas
do inferno ou do purgatório?
– Quando são inferiores e ainda não completamente desmaterializados,
conservam parte de suas idéias terrenas e transmitem suas impressões se
servindo de termos que lhes são familiares. Eles se encontram num meio
que lhes permite sondar o futuro apenas imperfeitamente, e é por isso que
freqüentemente Espíritos errantes, ou recém-desencarnados, falarão como
se estivessem encarnados. Inferno pode se traduzir por uma vida de provações
extremamente dolorosa, com a incerteza de haver outra melhor.
Purgatório, por uma vida também de provações, mas com consciência de
um futuro melhor. Quando passais por uma grande dor, não dizeis que
sofreis como um condenado? São apenas palavras, e sempre no sentido
figurado.
1015 O que se deve entender por uma alma penada?
– Um Espírito errante e sofredor, incerto de seu futuro, e a quem podeis
proporcionar o alívio que, muitas vezes, solicita ao se comunicar
convosco. (Veja a questão 664.)
1016 Em que sentido se deve entender a palavra céu?
– Acreditais que seja um lugar, como os Campos Elíseos7 dos antigos,
onde todos os bons Espíritos estão indistintamente aglomerados com
a única preocupação de desfrutar, durante a eternidade, de uma felicidade
passiva? Não. É o espaço universal; são os planetas, as estrelas e todos
os mundos superiores onde os Espíritos desfrutam de todas as suas qualidades
sem os tormentos da vida material nem as angústias próprias à
inferioridade.
1017 Alguns Espíritos disseram estar habitando o quarto, o quinto
céu, etc.; o que quiseram dizer com isso?
– Se lhes perguntais qual céu habitam é porque tendes uma idéia de
muitos céus sobrepostos, como os andares de uma casa. Então, eles
respondem conforme vossa linguagem. Mas, para eles, essas palavras,
quarto e quinto céu, exprimem diferentes graus de depuração e, conseqüentemente,
de felicidade. É exatamente como quando se pergunta a
um Espírito se ele está no inferno; se é infeliz, dirá que sim, porque para ele
inferno é sinônimo de sofrimento; porém, ele sabe muito bem que não é
uma fornalha. Se fosse um pagão diria que estava no Tártaro.
1018 Em que sentido é preciso entender estas palavras do Cristo:
“Meu reino não é deste mundo?”
– O Cristo, ao responder assim, falava num sentido figurado. Ele queria
dizer que apenas reina nos corações puros e desinteressados. Ele está
por todos os lugares onde domina o amor ao bem, mas os homens ávidos
das coisas deste mundo e ligados aos bens da Terra não estão com ele.
1019 O reino do bem poderá um dia realizar-se na Terra?
– O bem reinará na Terra quando, entre os Espíritos que vêm habitála,
os bons predominarem sobre os maus; então eles farão reinar na Terra
o amor e a justiça, que são a fonte do bem e da felicidade. Pelo progresso
moral e praticando as leis de Deus é que o homem atrairá para a Terra os
bons Espíritos e afastará os maus; mas os maus só a deixarão quando o
homem tiver expulsado de si o orgulho e o egoísmo.
A transformação da humanidade foi anunciada e é chegado o tempo
em que todos os homens amantes do progresso se apresentam e se
apressam, porque essa transformação se fará pela encarnação dos Espíritos
melhores, que formarão sobre a Terra uma nova ordem. Então, os
Espíritos maus, que a morte vai retirando a cada dia, e aqueles que tentam
deter a marcha das coisas serão excluídos da Terra porque estariam deslocados
entre os homens de bem dos quais perturbariam a felicidade.
Eles irão para mundos novos, menos avançados, desempenhar missões
punitivas para seu próprio adiantamento e de seus irmãos ainda mais
atrasados. Nessa exclusão de Espíritos da Terra transformada não percebeis
a sublime figura do paraíso perdido? E a chegada à Terra do homem
em semelhantes condições, trazendo em si o gérmen de suas paixões e
os traços de sua inferioridade primitiva, a figura não menos sublime do
pecado original? O pecado original, sob esse ponto de vista, se refere à
natureza ainda imperfeita do homem, que é, assim, responsável por si
mesmo e por suas próprias faltas e não pelas faltas de seus pais. Todos
vós, homens de fé e boa vontade, trabalhai com zelo e coragem na grande
obra da regeneração, porque recolhereis cem vezes mais o grão que tiverdes
semeado. Infelizes aqueles que fecham os olhos à luz. Preparam para
si longos séculos de trevas e decepções; infelizes os que colocam todas
as suas alegrias nos bens deste mundo, porque sofrerão mais privações
do que os prazeres de que desfrutaram; infelizes, principalmente, os egoístas,
porque não encontrarão ninguém para ajudá-los a carregar o fardo de
suas misérias.