721 A vida de mortificações ascéticas1 dos devotos e dos místicos,
praticada desde a Antiguidade e entre diferentes povos, é meritória
sob algum ponto de vista?
– Perguntai para o que e a quem ela serve e tereis a resposta. Se
serve apenas àquele que a pratica e o impede de fazer o bem, é egoísmo,
qualquer que seja o pretexto com o qual se disfarce. Renegar-se a si mesmo
e trabalhar para os outros é a verdadeira mortificação, conforme a
caridade cristã.
722 A abstenção de alguns alimentos, regra entre diversos povos,
é fundada na razão?
– Tudo aquilo com que o homem pode se alimentar sem prejuízo para
a sua saúde é permitido. Porém, alguns legisladores resolveram proibir
alguns alimentos com um objetivo útil e, para dar maior autoridade às suas
leis, as apresentaram como se fossem vindas de Deus.
723 A alimentação animal é, para o homem, contrária à lei natural?
– Em vossa constituição física, a carne alimenta a carne; de outro
modo, o homem enfraquece. A lei de conservação dá ao homem o dever
de manter suas forças e sua saúde para cumprir a lei do trabalho. Ele
deve, portanto, se alimentar conforme as exigências de seu organismo.
724 A abstenção de alimento animal ou outro, como purificação,
é meritória?
– Sim, se essa abstenção for em benefício dos outros; mas Deus não
pode ver uma mortificação quando não é séria e útil. Por isso dizemos que
aqueles que se privam apenas na aparência são hipócritas. (Veja a questão
720.)
725 Que pensar das mutilações que se fazem no corpo do homem
e dos animais?
– Por que tal questão? Perguntai, a vós mesmos, ainda uma vez e
sempre, se uma coisa é útil. O que é inútil não pode ser agradável a Deus
e o que é nocivo é sempre desagradável; porque, deveis saber, Deus só é
sensível aos sentimentos daqueles que lhe elevam a alma; é praticando
Sua Lei que podereis vos libertar da matéria terrestre, e não violando-a.
726 Se os sofrimentos deste mundo nos elevam pela maneira
que os suportamos, elevam-nos também os que criamos voluntariamente?
– Os únicos sofrimentos que elevam são os sofrimentos naturais, porque
vêm de Deus; os sofrimentos voluntários não servem para nada quando
não contribuem para o bem dos outros. Por acaso acreditais que avançam
no caminho do progresso os que abreviam sua vida nos rigores sobrehumanos,
como fazem os bonzos2, os faquires3e alguns fanáticos de muitas
seitas? Por que não trabalham antes pelo bem de seus semelhantes? Que
vistam o indigente; consolem o que chora; trabalhem por aquele que está
enfermo; sofram necessidades para o alívio dos infelizes; então, sim, sua
vida será útil e agradável a Deus. Quando os sofrimentos voluntários têm
em vista apenas a si mesmo, é egoísmo; quando se sofre pelos outros, é
caridade: são estes os preceitos do Cristo.
727 Se não devemos criar sofrimentos voluntários sem utilidade
para os outros, devemo-nos preservar daqueles que prevemos ou que
nos ameaçam?
– O instinto de conservação foi dado a todos contra os perigos e os
sofrimentos. Mortificai o Espírito e não vosso corpo, exterminai o vosso
orgulho, sufocai o vosso egoísmo, que parece uma serpente que vos tortura
o coração, e fareis mais por vosso adiantamento do que por meio de
rigores que não são mais deste século.
728 A destruição é uma lei natural?
– É preciso que tudo se destrua para renascer e se regenerar. O que
chamais destruição é apenas transformação que tem por objetivo a renovação
e o melhoramento dos seres vivos.
728 a O instinto de destruição teria sido dado aos seres vivos por
desígnios providenciais?
– As criaturas são os instrumentos de que Deus se serve para atingir
os seus objetivos. Para se alimentarem, os seres vivos se destroem entre
si com um duplo objetivo: manter o equilíbrio na reprodução, que poderia
tornar-se excessiva, e melhor utilização dos restos do corpo. Mas somente
o corpo é destruído, porque é apenas o acessório, e não a parte essencial.
O princípio inteligente é indestrutível e se elabora nas diferentes metamorfoses1
que sofre.
729 Se a destruição é necessária para a regeneração dos seres,
por que a natureza os cerca com meios de preservação e de conservação?
– Para que a destruição não ocorra antes do tempo preciso. Toda
destruição antecipada dificulta o desenvolvimento do princípio inteligente;
é por isso que Deus deu a cada ser a necessidade de viver e de se
reproduzir.
730 Uma vez que a morte deve nos conduzir a uma vida melhor,
que nos livra dos males desta, e, por isso, mais deveria ser desejada
do que temida, por que o homem tem um horror instintivo que o faz
temê-la?
– Já dissemos, o homem deve procurar prolongar a vida para cumprir
sua tarefa; eis por que Deus lhe deu o instinto de conservação, que o
sustenta nas provas; sem isso, muitas vezes se deixaria levar pelo desencorajamento.
A voz secreta que o faz temer a morte lhe diz que ainda pode
fazer alguma coisa para seu adiantamento. Quando um perigo o ameaça,
é uma advertência para que aproveite o tempo e a morada que Deus lhe
concede. Mas, ingrato! Rende mais vezes graças à sua estrela do que ao
seu Criador.
731 Por que, ao lado dos meios de conservação, a natureza colocou
ao mesmo tempo os agentes destruidores?
– O remédio ao lado do mal, já dissemos, é para manter o equilíbrio e
servir de contrapeso.
732 A necessidade de destruição é a mesma em todos os
mundos?
– É proporcional ao estado mais ou menos material dos mundos e
cessa quando os estados físico e moral estão mais depurados. Nos mundos
mais avançados as condições de existência são completamente
diferentes.
733 A necessidade da destruição existirá sempre entre os homens
na Terra?
– A necessidade de destruição diminui e se reduz entre os homens à
medida que o Espírito se sobrepõe à matéria; é por isso que se constata o
horror à destruição crescer com o desenvolvimento intelectual e moral.
734 Em seu estado atual, o homem tem direito ilimitado de destruição
sobre os animais?
– Esse direito é regido pela necessidade de prover a sua alimentação
e segurança. O abuso nunca foi um direito.
735 O que pensar da destruição que ultrapassa os limites das
necessidades e da segurança? Da caça, por exemplo, quando tem
por objetivo apenas o prazer de destruir sem utilidade?
– Predominância dos maus instintos sobre a natureza espiritual. Toda
destruição que ultrapassa os limites da necessidade é uma violação da lei
de Deus. Os animais destroem apenas de acordo com suas necessidades;
mas o homem, que tem o livre-arbítrio, destrói sem necessidade; ele
deverá prestar contas do abuso da liberdade que lhe foi concedida, porque
cede aos maus instintos.